quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Um encontro entre a Moda e a Antropologia


LINHAGEM MIRIM
por Maria da Paz Trefaut


Maria Manuela Carneiro da Cunha e a neta Greta: rima entre moda e antropologia na grife de moda infantil Manucha


A antropóloga Maria Manuela Carneiro da Cunha acaba de debutar num métier bem diverso da atividade intelectual pela qual é conhecida. Há duas semanas, em parceria com a estilista carioca Luiza Marcier, lançou uma etiqueta de moda infantil que leva seu apelido de infância, Manucha. As roupas estão à venda em Ipanema, na "À Colecionadora", loja que Luiza abriu há mais de dez anos com suas criações para adultos.

Claro que a parceira da antropóloga não podia ser uma estilista padrão. Além de figurinista de cinema e teatro, Luiza Marcier está envolvida em várias atividades sociais e coordena o projeto do Museu da Moda que será criado no Rio, pela Secretaria de Cultura do Estado.

A primeira coleção é pequena e os preços variam entre R$ 80 e R$ 240. No futuro, elas esperam chegar a valores mais acessíveis e oferecer não apenas vestidos, mas também acessórios para crianças de zero a doze anos. Animada com a nova atividade, Maria Manuela promete rimar moda com antropologia em 2012.


Valor: Como surgiu a ideia?

Maria Manuela Carneiro da Cunha: Nos últimos anos mandei fazer vários vestidos para crianças por conta das meninas que chegaram à família: a minha sobrinha-neta, a Stela, que está com três anos, e minha neta, a Greta, que vai fazer dois. Faz um ano, a Luiza viu algumas dessas roupas e perguntou se eu queria fazer uma coleção infantil com ela. Achei ótimo.

Valor: De que jeito antropologia conversa com moda?

Maria Manuela: Eu poderia fazer uns raciocínios complicados, não sei se é o caso... A verdade verdadeira é que estou fazendo isso porque gosto. Não tem muita razão antropológica: acho divertido, é algo que me dá muito prazer. Mas vamos lá: uma das coisas que a antropologia estuda é a maneira de apresentar o corpo. E a moda é uma delas. Outra coisa: tradicionalmente, as roupas infantis permitem muita liberdade. Em muitas sociedades indígenas brasileiras, a criança é muito mais enfeitada. Entre os Xikrins e Kaiapós, por exemplo, ela é decorada com pinturas corporais - fica horas dormindo no colo enquanto a mãe a pinta. Na nossa sociedade também dá para inventar coisas que não se faria com adultos.

Valor: Você vai trazer algo desse universo que conheceu nas sociedades indígenas para as roupas da marca?

Maria Manuela: Não sei. Tanto a Luiza como eu somos muito ligadas nas tradições populares brasileiras. Já estamos fazendo uma pesquisa e um link com bordadeiras tradicionais. Esse componente ainda não está nesta primeira coleção porque não deu tempo, mas já estará na próxima.

Valor: O que há de particular nos primeiros modelos?
Maria Manuela
: Em alguns usamos tecido Liberty. É um tecido importado, de um algodão espetacular, cujos fios de algodão foram trazidos do Sudão em 1920, e impressos pela loja Liberty de Londres - por isso têm esse nome até hoje. Isso a gente não vai poder continuar, porque queremos fazer algo sustentável. Estamos procurando tecidos de algodão de grande qualidade aqui.


Valor: Qual é sua parte na confecção?

Maria Manuela: Escolho os modelos, pesquisamos os tecidos juntas, e a Luiza cuida de toda a produção, que é feita no Rio. Queremos diversificar e fazer outras coisas: bolsas, bichinhos, que já estarão na próxima coleção.

Valor: Você se aposentou da Universidade de Chicago, não?
Maria Manuela
: Sim, mas continuo trabalhando tanto quanto. Aqui me envolvi na oposição ao novo Código Florestal e estou no comitê que a Academia Brasileira de Ciências e a SBPC organizaram para analisar o documento. Agora, no início de 2012, vou para a França como professora convidada do Collège de France, onde vou dar aulas durante um semestre.


Valor: A coleção será feita por internet?

Maria Manuela:
Esta já foi em parte por internet. A minha atividade como antropóloga vai continuar normalmente. Sempre gostei de fazer algumas coisas: cozinha, jardinagem. As roupas surgiram casualmente com o incentivo da minha neta. Eu queria umas roupas mais divertidas do que encontrei. Com mais graça e fantasia. No início, pensamos fazer apenas para meninas pequenas, mas ouvi queixas sobre a erotização precoce dos modelos infantis, na faixa de oito a doze anos. Então, vamos abarcar essa faixa e responder à provocação.


Publicado originalmente em http://www.valor.com.br/cultura/blue-chip/1153348
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