domingo, 26 de agosto de 2012

"Vá construindo seu futuro", entrevista com Mariana Rocha



Mariana Rocha, professora da Faculdade Santa Marcelina (SP), esteve em Belém semana passada participando do evento "Faces da Moda: encontro de saberes e fazeres". Além de apresentar o resultado da sua dissertação de mestrado “Ruas, passagens, passarelas. Charles Baudelaire, Walter Benjamin e os lugares da moda”, Mariana também realizou workshop para participantes do evento. No intervalo entre as atividades, a professora concedeu entrevista para o Fazendo Moda.

Fazendo Moda – Por que ainda é difícil dar um “status científico” para as pesquisas que envolvem moda?
Mariana Rocha –
Basicamente, porque tem pouca publicação sobre moda com valor científico. Temos muita coisa de Filosofia, Psicologia, Estética, Comunicação, Semiótica, mas de moda mesmo são poucas. O que percebemos é que os acadêmicos estão começando a falar sobre moda, entretanto a metodologia para embasar essas pesquisas ainda são poucas. Por exemplo, utilizo Charles Baudelaire que é um poeta e Walter Benjamin, um filósofo que fala sobre moda, e também Gilles Lipovétsky , que é filósofo interessado em moda.

Fazendo Moda – Será que falta interesse dos próprios estudantes de moda em desenvolver pesquisas?
Mariana Rocha –
Tenho uma opinião controversa sobre esse assunto e não sei se as pessoas vão gostar. O fazer moda, a criação, o estilismo não tem a ver necessariamente com o racional, o linear, o lógico, que necessita o trabalho científico. Nem sempre o estilista conseguirá explicar porque fez aquilo. Assim como na arte, muitos artistas não conseguem explicar a obra. Trata-se de outra linguagem e ao explicar perde a magia, como a história da mosca azul: o poeta fica olhando a mosca azul, admirando  e diz “nossa, que demais! Quero entender essa mosca azul”, então ele mata a mosca, que vira uma gosma. Ou seja, na medida em que algumas coisas são explicadas, o pensamento organizado racionalmente se perde, rompe, foge. A expressão é particular, é de cada um e uma coisa não está necessariamente ligada à outra. O desafio para os professores e para os alunos é tentar unir as expressões. Existe uma tentativa de moda como um campo de pensamento que é sensacional, mas não necessariamente uma pessoa que está pensando moda, inteligente e perspicaz são criadores de moda e vice e versa.

Fazendo Moda – Os cursos de moda estão se multiplicando nos últimos anos. Na sua avaliação, o Brasil tem mercado para absorver essa mão-de-obra?
Mariana Rocha –
Há alguns anos, em São Paulo, percebo ótimos profissionais sem trabalho, principalmente na área do estilismo. Sinto que o mercado está se esgotando e um dos motivos é a visão do empresário brasileiro que não quer contratar, não acredita muito no processo criativo, prefere copiar ao invés de ter um departamento de pesquisa e criação. Na medida em que o mercado se profissionalizar em relação à criação, esses profissionais serão absorvidos. Hoje, as universidades preparam o aluno, que sai com conteúdo, gabaritado, mas sem mercado. A economia brasileira é difícil para os pequenos empreendedores, há dificuldades para quem quer abrir o próprio negócio. Enfim, moda não é um mercado fácil, mas existe um desejo muito grande da juventude de trabalhar com essa linguagem e espero que consigamos trazer à moda a importância criativa que ela pode ter no Brasil.

Fazendo Moda – Não se pode sair da faculdade sem ter lido...?
Mariana Rocha –
São vários livros fundamentais, mas o Gilles Lipovétsky é fundamental e “O império do efêmero" é um clássico de todas as bibliografias de moda. Agora tem um livro que é menos comentado e é simplesmente maravilhoso, “O espírito das roupas ” (LINK 7), da Gilda de Melo e Souza,  que fala de moda de uma maneira muito interessante no aspecto sociológico, estético e artístico através da literatura, da fotografia de época e com perspicácia de análise muito interessante. É um texto gostoso e agradável de ler, muito bem escrito, é primoroso. Foi o primeiro trabalho aceito pela academia e foi defendido como tese de mestrado na USP, em 1950. Um livro brasileiro, escrito por uma mulher nos anos 50 e ainda tem muito valor para entender e analisar a moda hoje.

Fazendo Moda – Com a sua experiência, que conselho você daria para quem está chegando ao mercado?
Mariana Rocha
– O aluno entra muito imaturo na universidade, muito cru, sem saber o que fazer, sem ter uma perspectiva profissional de ter um ideal. Então:
1)    Entender um pouco o que é o mercado e as oportunidades que ele oferece é fundamental.
2)    Quase todo mundo quer ser estilista, fato, mas não tem emprego para todo mundo. Se adapte ao mercado, pois o contrário dificilmente ocorrerá.
3)    Caso não tenha condições de ter o seu próprio negócio, vá em busca de outras áreas, procure na estamparia, na moda casa, na decoração, em eventos, na comunicação, na internet. Busque oportunidades que estão fora da indústria. É preciso entender o que tem na sua cidade e no entorno.
4)    Por exemplo, se você é um criador com marca própria e não tem meios de ter seu próprio negócio, trabalhe algum tempo em outra coisa para ganhar seu dinheiro e ir fazendo um pé de meia, ali certamente você irá adquirir experiência. Se for vendedor de loja, analise como a empresa funciona, estoque, reposição, gerência, valores, como o cliente se sente em relação a roupa , ao atendimento.
5)    Em Belém tem uma ótima iniciativa que é o Caixa de Criadores, onde várias marcas de novos criadores estão se apoiando e desenvolvendo trabalhos inovadores. Veja as oportunidades de uma maneira realista, faça planos, vá atrás do seu sonho, mas faça um planejamento, pense nisso em anos, cinco anos, dez anos. Dê tempo para o seu sonho, encare com realismo as suas capacidades, aquilo que você sabe fazer, o que quer fazer e tente equacionar todas elas num planejamento para o futuro. Talvez agora não seja hora de você satisfazê-lo 100%. Vá construindo seu futuro.

TEXTO Rafaela Boff EDIÇÃO Rosyane Rodrigues FOTOGRAFIA Camila Pontes

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